Poetas, café e máscaras
Ler Fernando Pessoa é uma necessidade e um deleite, diz,
sentado no café A Brasileira, o lusitanista
Perfecto Cuadrado, mas adverte: apresentá-lo ou simplesmente falar dele é
arriscar-se a pecar por ociossidade, audácia ou mesmo superficialidade,
principalmente se o espaço é reduzido. Porém, o perdão reside na boa intenção,
pois a ele se referir, mesmo que breve e livremente a leitor desavisado, ou
incitar sua leitura e estudo, é sempre uma obrigação que absolve e gratifica.
Assim, pode-se fazer menção, por exemplo, aos seus heterônimos, à sua
contribuição para a regeneração artística de Portugal, ou a algum dos
incontáveis escritos sobre sua obra. Há um em particular, do ensaísta uruguaio
Emir Rodríguez Monegal, que procura “simetrias e anacronismos”, e que trata do
imaginado encontro do poeta com Jorge Luis Borges.
Esse encontro é, ou
deveria ter sido, mais ou menos assim: corria o ano de 1923, Borges, em Lisboa,
fora levado por um membro da revista Orpheu
a esse mesmo café, A Brasileira, que
também era frequentado por Fernando Pessoa. Nesse dia, os maiores poetas e
criadores de suas respectivas línguas se encontraram e, "prolongando o
instante", conversaram e se identificaram na base cultural, na busca de
filosofias similares, na admiração dos mesmos escritores, no recorrido de
caminhos literários próximos. Pessoa liberava suas vozes poéticas em múltiplas
personalidades; Borges fingia que resenhava obras de escritores imaginários. Os
dois rejeitavam a paternidade de muitos de seus escritos, e ambos usavam o
texto como máscara. Quanto mais se negavam como autores, mas se afirmavam como
tais. Por trás de Álvaro de Campos, de Francisco Bustos, de Alberto Caeiro ou
de Pierre Menard, habitavam Pessoa e Borges. Dizem que depois desse encontro,
tão fictício como improvável, nunca mais se afastaram.
Publicado no "Dicionário Fernando Pessoa" - Grupo Zaffari
Comentários